A Dança do Ventre

É com um enorme senso de responsabilidade que coloco, aqui, um pouco da história da Dança do Ventre e como ela tem um imenso poder de transformação e cura, especificamente para o público feminino. Este relato foi estruturado tendo como base o livro "Dance e recrie o mundo - A força criativa do ventre” de Lucy Penna.

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"A mulher representa a vida. O homem representa o servo da vida. O homem não compreende a vida, exceto pela mulher”.  (Joseph Campbell)

"Investir em mulheres é investir na transformação das comunidades, no desenvolvimento do país e, principalmente, no núcleo básico e essencial da sociedade: as famílias. E isso muda o mundo" (Projeto Itaú Mulher Empreendedora)
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Em épocas ancestrais, vivia-se mais em contato com o dinamismo das forças criadoras da Natureza (Mãe Natureza – Terra). Esse contato estimulou representações mentais (ou seja, foi um contato saudável e estreito por muito tempo) que levaram aos mitos e a hábitos  cotidianos. Estamos falando de “forças” criadoras, neste caso, a força criadora do ventre, capaz de gerar a vida, colocando a importância da mulher no desenvolvimento social. Uma força invisível, que se sente, mas não se vê, deixando, por este motivo, a conotação do “sagrado”.

Surgiu, então, uma dança que expressava essa força do ventre humano e preparava as pessoas para conviverem com as forças internas e externas da Natureza, exaltando as energias da criação. Alguns movimentos dessa antiga dança ritualística, em homenagem à Grande Mãe nos chegam hoje através da Dança do Ventre.

Hoje, essa proximidade com as forças da Natureza não existe, tendo ocorrido a desvalorização dos bens que ela nos traz: rios, mares, florestas, animais e o próprio corpo (principalmente o feminino). O ser humano não se dá conta da delicada relação que ele tem com a Natureza para sobreviver. A inconsciência na exploração dos recursos naturais indica que a maioria das pessoas não tem a consciência necessária dos efeitos devastadores dos nossos atos para as próximas gerações.


Assim, a Dança do Ventre proporciona o reencontro com a Natureza dentro da mulher, como força criadora, ou seja, a reavaliação dos aspectos femininos da sociedade (dentro da psique masculina e feminina) corre em paralelo com a manifestação em favor da preservação do meio-ambiente.

O potencial dos aspectos simbólicos, associados ao ventre humano, trabalha, desde os nossos ancestrais , na psique masculina e feminina, tendo trazido a importância destes símbolos, através do inconsciente coletivo.

A Dança do Ventre representa, simbolicamente, entrar no seio da Terra, ou seja, entrar em contato com a Grande Serpente, presente nos mitos e que simboliza a energia do inconsciente e de transformação. Entrar dentro de nós mesmos para encontrar a Grande Serpente ou pelo simbolismo da Árvore da Vida, onde se considera o fluxo e transformação da seiva em flores e frutos. É importante reconsiderar este processo como modelo do que acontece no ser humano. Cada um de nós precisa desenvolver a percepção de seus próprios recursos, de suas fontes próprias, desenrolando a serpente de fogo. Cada um precisa perceber sua real força e sua responsabilidade na evolução dos valores sociais.

O ventre humano não é simplesmente um saco de vísceras. A relação que temos com ele é existencial e precisamos, cada vez mais, ter uma maior consciência dos planos psicológico e simbólico ligados ao ventre. Tem de haver uma conexão integrada entre a percepção ocidental do corpo, como um conjunto físico e a percepção oriental, como um campo de energias. Só assim o nosso planeta sobreviverá pacificamente.

DESDE O INÍCIO...

A Dança do Ventre é proveniente de um ritual sagrado anterior a mais antiga civilização reconhecida historicamente, a dos sumérios, que era realizado em honra às divindades femininas (deusas) que protegiam as águas, terras, mães e seus filhos, ou seja, à fertilidade. As mulheres dançavam procurando receber a força da Grande Mãe (Deusa), como verificado já no período Neolítico, em danças ao redor do fogo, dentro das cavernas. Assim, procuravam evocar energias positivas, através de rituais primitivos, que tinham na dança, uma de suas manifestações. Já nestes casos, as danças tinham o poder de simbolizar.

Acredita-se que a influência do arquétipo da Deusa terá papel importante nas relações humanas do futuro. Com o ressurgimento dos aspectos yin (princípio feminino), que devem ser mais levados em consideração pelos profissionais da saúde e educação, surge uma reflexão direcionada para os processos vitais e menos abstrata e conceitual do que as tendências das ciências até hoje. O princípio feminino mobiliza atitudes mais abrangentes, onde tudo está em relação com tudo. São poucos os profissionais que  conseguem ter uma visão una do ser em seu trajeto histórico coletivo, pessoal e das suas condições ambientais de hoje. Se não unirmos, em nós mesmos, os fundamentos passados e os projetos em curso para objetivos futuros, sem a consciência do “tornar-se”, não conseguiremos compreender as questões propostas há milênios.

A dança foi parte vital dos cultos às diversas divindades, ligadas à força criativa, à natureza. Criação é movimento e dançando, os seres se identificam com a roda da vida, compreendendo como foi feito o universo e podem constatar a chama criadora que reside em cada um de nós. Há milênios, poderosos símbolos dos rituais à força da vida, aprendidos das civilizações que tinham esta proximidade importantíssima com a natureza, a Grande Mãe, foram negados, assim como foram negadas as deusas, que representavam esta ligação com a Grande Mãe, passando-se a dar importância a deuses masculinos. Assim, a criação do mundo deixou de ser um ato gerado no amor e na dança. Os aspectos essenciais da Grande Mãe ressurgem para homens e mulheres nos sonhos, no gosto pela dança, na atenção ao corpo, à alimentação, no cuidado com os animais, plantas e na ecologia. As 3 principais características encontradas em pessoas sob influência do arquétipo da Grande Mãe são a capacidade de nutrir e proteger os mais carentes, a emoção e a capacidade para o prazer e a alegria. Ao contrário, homens e mulheres deixam de manter suas criações quando se separam da força da vida.

A dançarina da Dança do Ventre, pode ser denominada como “ mulher serpente”, pois seus movimentos em pé tornam-na uma coluna ondulante, uma chama, que cresce de baixo para cima. Ondulando, a bailarina transforma-se na expressão da força sagrada, que tudo transforma e purifica : o fogo, a libido, tida aqui como a energia da vida em seu sentido mais amplo, “adormecida” na base da coluna dorsal, acende e ascende, espalhando-se por todo o corpo, ajuda na revitalização dos órgãos. No plano psicológico, a ascensão da libido proporciona estado alterado de consciência, como uma força adicional, um tipo de “iluminação”.


UMA ANÁLISE MAIS PROFUNDA

A re-atualização dos valores inerentes  à força criativa do ventre, à influência do arquétipo da Grande Mãe, nos mostra homens acolhedores, intuitivos e mulheres disciplinadas mental e fisicamente, correspondendo-se como seres inteiros, integrando suas porções feminina e masculina. Futuramente, relacionamentos conscientes desse tipo farão a dança criativa que desenvolverá um novo estilo de convivência planetária e cósmica. Para isso, precisamos criar novas representações da Deusa, inclusive como amante e guerreira e admitiremos que este planeta é da Grande Mãe e nós somos seus filhos.

Nasce da mulher a energia  de transformação dos homens. Como mãe ou amante, a mulher  pode gerar, unida ao companheiro, para o bem da comunidade. Não somente filhos, mas a possibilidade de gestar, conscientemente, obras sociais e para a elevação psicológica de outras pessoas que não somente no círculo familiar.

Mesmo que infelizmente não muito conhecido, é importante destacar o mito de Ísis e Osíris como um marco na aquisição psicológica da humanidade. Eles são um símbolo da possibilidade de transcendência da sexualidade humana. Esta elevação condizente com uma eficaz coligação dos opostos feminino e masculino, teria que se basear na passagem da consciência de estágio concreto para o simbólico-espiritual, como o que aconteceu com Ísis e Osíris, de modo redutivo de encarar o corpo e as funções somáticas para uma visão superior. Esta seria a revelação do princípio espiritual, diferente do princípio da vida e da natureza. Simbolicamente, esta transcendência da sexualidade humana ocorreu quando Isis transformou Osíris, dando-lhe uma parte de seu corpo, feita da madeira do templo da Grande Mãe (componente feminino). Assim, os componentes masculino e feminino estariam coligados no próprio Osíris.

Os mitos cristãos não possuem estas características, nem casais tão criativos. A união sagrada se deu entre Cristo e sua igreja, instituição regida e administrada por sacerdotes homens, havendo, assim, um afastamento do princípio  feminino em seus rituais e práticas. Com o desprestígio cultural da mulher, houve uma descaracterização do sagrado. A mulher perdeu suas virtudes e, ao envolver-se com dança, música e a alegria da vida, menos se parecia com a mãe de Cristo, de acordo com a visão distorcida da doutrina cristã. Através dela, nos mostraram uma mãe sublime, mas severa. Não era esposa, nem companheira. Muito longe do que esta mãe deve realmente ter sido, daquilo que precisamos e do que podemos ser hoje. Houve, então, uma limitação no espírito feminino, que ainda precisa de cuidados e superação.

A presença de Ísis, companheira, mãe e amante do próprio companheiro, estimulava outras disposições interiores nas mulheres. Ísis teve um compromisso com a vida e sua imagem está viva no inconsciente coletivo da humanidade, sendo capaz de mobilizar importantíssimos conteúdos internos.

Outro arquétipo de extrema importância, um dos principais da psique, é o da serpente, presente em mitologias desde a Antiguidade. Foi cultuada como divindade, possuidora de grandes poderes, associados à origem da vida, à alma das coisas e à libido.  Em processo de terapia, normalmente o símbolo da serpente aparece nos sonhos, propondo uma mudança do estilo de vida, uma revisão de valores. Esse contato pacífico com o arquétipo da serpente traz vida, anima e dá força para deixar de lado o que não serve mais.

Esta importância do arquétipo da serpente engloba três aspectos: 1)força maligna, como no Gênesis, 2) redentora e curadora e 3) símbolo do tempo a partir de sua relação com os ciclos naturais, estações do ano e ritmos biológicos. Nos dias de hoje, este símbolo aparece na preocupação com o corpo, na sexualidade e nos hábitos de alimentação e movimentos. Quando as pessoas compreenderem melhor seus ritmos de dormir e comer, necessidades de lazer, ritmos no relacionamento amoroso, estarão em contato com a serpente interior. O treinamento atento e cuidadoso das necessidades provenientes da região ventral leva à revitalização dos órgãos, que conduz à saúde, através do equilíbrio entre yin e yang ou a auto-regulação do sistema nervoso, trazendo condições vitais balanceadas. Para que essa atitude responsável para com o ventre aconteça, as reações psicológicas que foram condicionadas por séculos de afastamento da simbologia da serpente precisam ser reavaliadas e substituídas por reações positivas. Os julgamentos sobre o mal e o feio nos desejos humanos, devem ser reformulados.

As religiões orientais dizem que o bem e o mal são aspectos de um mesmo deus. Na religião cristã, bem e mal estão sempre em confronto, sem reconciliação, a não ser pela destruição do mal. Esta posição gerou guerras, perseguições e intolerância. No mito judaico-cristão, Gênesis, ocorre a narração da origem do ser humano, onde a serpente é representante do mal. Na mentalidade instituída pelo cristianismo, o aspecto negativo do arquétipo da serpente é o que predomina. Temos, assim, que, na Idade Média, quando se consolidou o poder da Igreja, a serpente ficou ligada às mulheres, sedutoras e perigosas, emissárias do Diabo. Elas tinham que ser expulsas ou punidas. Da mesma forma, a serpente foi expulsa da consciência da maior parte da humanidade, apesar de continuar a enviar sinais de sua existência.

No mito de Adão e Eva, a serpente seduz a mulher pela promessa do conhecimento do bem e do mal, caso esta comesse a maçã que vinha de uma árvore sagrada, a árvore da ciência superior, reservada aos deuses. Então, a serpente quis dizer aos seres humanos, representados pelas figuras de Adão e Eva, que eles eram deuses. Isto era perigoso demais para a mentalidade dos homens cristãos, visto o que aconteceu com Cristo, morto por ter assumido que era filho de Deus, ou seja, deus também.

No plano psicológico, a serpente que habita em nós traz vícios que trazem a morte. As mulheres, associadas às serpentes desta forma negativa, passaram a ser vítimas de intolerância, perseguições e morte. Foram banidas dos postos de liderança eclesiástica e desvalorizadas em sua atuação na vida pública. Assim, a imagem da serpente foi reprimida através dos séculos, mas ela reaparece nos sonhos. O mundo imaginário, distante do consciente, influencia a personalidade através de devaneios, fantasias e imagens. No mundo contemporâneo, a ciência da serpente é revelada ao homem e à mulher pela intuição e pela vida afetiva e instintiva, o que é difícil de ser comunicado em palavras. É uma ciência yin, feminina, pelo seu valor subjetivo, imaginário, atemporal e inespacial das experiências que o arquétipo da serpente proporciona. A psicologia do inconsciente, as artes, a música, o surrealismo, as artes plásticas, o teatro e a literatura evocam a realidade interior e trazem-na à luz. Essa tendência fez do cinema e do vídeo canais contemporâneos de expressão do imaginário, recriando o mundo das impressões sensoriais e das intuições, onde nasceram os mitos. A inclusão do conhecimento da serpente em nós proporciona uma nova luz que não expulsa a força vital como repugnante, mas a acolhe e a integra na personalidade de uma sociedade mais madura. Antigamente, na identificação com as dançarinas, homens e mulheres se reorganizavam, fazendo a unidade entre o profano e o sagrado, pela contemplação da beleza destas dançarinas-serpentes, que retiravam os véus dos chacras, revelando sua luz aos outros, sem se perderem na sedução.

A Dança do Ventre pode ser considerada como um dos primeiros sistemas de treinamento fisiopsíquico, num plano interno enriquecido pelo contato com as energias de todos os centros. Desta forma, é possível entrar em contato com valores antigos e sagrados, cujo significado tem relação direta com os conflitos atuais e suas resoluções dependem da volta a viver como na antiguidade, estabelecendo contato com as forças misteriosas do corpo e da natureza. Existem três canais que são favorecidos pela Dança do Ventre: auto-percepção, percepção do grupo feminino e compreensão da regular ordenação do meio ambiente. Nessa direção e reavaliando o sentido da vida, uma praticante de dança pode recriar seu mundo pessoal, mudando a mentalidade coletiva.

Ao praticar a Dança do Ventre, passa-se a buscar novas relações. Reaparece o gosto pela vida, apreendido pelos órgãos estimulados pela prática da dança. A mulher se revitaliza, crescendo a consciência de seu próprio valor e desenvolvendo-se o senso de dignidade e auto-estima. Assim, os sentidos do corpo abertos proporcionam a melhoria da saúde, onde tudo é beneficiado pela massagem proporcionada pelos movimentos da pelve. Nesta redescoberta de novas relações, o inconsciente do grupo fortalece a noção do indivíduo e o indivíduo que se desenvolve percebe melhor seu vínculo com o grupo no qual está inserido. O ideal de beleza feminina pode ser repensado, sem precisar atender a demanda do “socialmente aceito” ou daquilo que é indicado como correto.

Os quatro elementos básicos da natureza estão desenvolvidos na dançarina da Dança do Ventre. Aprende-se a lidar corretamente com as energias contidas no corpo, assim como com as representações simbólicas que vêm à consciência da praticante e que devem receber atenção. Os ciclos femininos, como a menstruação, gravidez, amamentação, menopausa, devem ser vistos como experiências importantes e não problemáticas. Ao aceitar-se como mulher, é possível viver reorganizações de corpo, de afetos e da vida, que correspondem a cada uma das passagens existenciais femininas. A Dança do Ventre possibilita uma vida útil maior à mulher como mãe, amante e pessoa, tão importante nos dias de hoje, diante do ritmo de vida imposto a todos nós, havendo pouco tempo para si mesmas. As mulheres que dançam de forma consciente podem reestudar seus próprios ritmos, aconchegando-se a si mesmas e escolhendo um estilo de vida menos propenso às agitações da competitividade yang (princípio masculino). Serão capazes de criar novas formas de lazer, trabalho, de convivência onde as pessoas não se atemorizem tanto umas com as outras, sem violência e com erotismo sadio e não banalizado. Assim pode ser expressa a verdadeira alegria, que nasce da paz pela união interior.

Quando voltamos no ponto da desunião entre homens e natureza, vemos como a Terra foi desmistificada. Ela é apenas um território possuído e escavado até sangrar. Desta mesma forma aconteceu com a mulher, que não pôde mais gerar nem acolher o homem com ternura. Esta desarmonia externa acaba por refletir a desordem interior de cada um. Torna-se, então, imensamente urgente reunir o que está separado e desordenado. Os homens precisam conhecer a mulher, para compreender o sentido da vida, mas se as mulheres não conhecem a si mesmas, não conhecem a força criativa do seu próprio ventre, não podem ser compreendidas por outros.  Enquanto persistir  o modelo yang unilateral do corpo, os aspectos yin, internos, menos visíveis e associados ao inconsciente e à força criadora da mulher, ficarão desvalorizados. A mentalidade unilateral em que homens e mulheres privilegiam o dinamismo yang, não traz equilíbrio aos relacionamentos e não conduz à verdadeira compreensão da vida. É necessário pensar na serpente, não como algo demoníaco, mas como força iluminadora do inconsciente mais profundo da psique, cujo papel é transformador e curativo. Existem sérias lacunas na formação dos profissionais da saúde, com relação a esta perspectiva, que precisam ser ultrapassadas. Os problemas de saúde causados por essa perspectiva unilateral e preconceituosa merecem a atenção que não lhes é dada nos órgãos públicos, hospitais, universidades, empresas e pelos educadores em geral.

Ao nos referirmos à figura masculina, podemos dizer que o homem tem ventre, mas não pode gestar, não pode gerar a vida. Ele aprende a utilizar seu potencial criativo de outras formas, inventando, criando tecnologia e ciência. O homem possui um enorme potencial energético que, na idade madura, por exemplo, pode ser utilizado em criações mentais e não mais biológicas. O homem sábio retém esse potencial, sendo capaz de fomentar e gerar ações e iniciativas criadoras juntamente com as mulheres, muito além da idade juvenil.

CONCLUSÕES PARA REFLEXÃO

O confronto com as forças vitais decorrentes  das experiências com o ventre pode ser visto como o suporte de uma nova ordem social (fatos orgânicos + simbolismos da psique + rumos da sociedade). É preciso aprender a lidar com a Mãe Natureza em comunhão com ela e não opor-se: “não deves resistir ao destino, mas também não fugir dele. Se fores ao seu encontro, bondosamente levar-te-á consigo”. A integração dos impulsos vitais à consciência supera o medo de sermos devorados pelo inconsciente. É a superação da perda de contato com a fonte da vida, que ocorreu durante toda a expansão da civilização humana. Em vez de lutar contra a Mãe Natureza ou de consumi-la, o ser humano consciente a acolhe, dentro e fora dele.

Assim, fala-se da proposta de transmutar as forças criativas do ventre pela relação com o poder do coração. Esta noção chegou à Psicologia através de Jung. O ventre só alcança a plenitude quando sintonizado ao peito humano. O coração é o símbolo do conhecimento direto e intuitivo, mais valioso que o pensamento lógico. O campo energético formado no coração espalha-se pelo tórax e representa-se  como uma consciência superior que não se atinge só com os chacras do ventre.

Desta forma, condicionar a vida somente às percepções orientadas visceralmente diz pouco sobre o ser humano. Assim, estaríamos amarrados à força egocêntrica do umbigo e pensamos que a verdade nos pertence. Um exemplo disto, é a mentalidade corporativista, que assume um campo de conhecimento como coisa própria. É preciso expandir a consciência, pois a perspectiva ventral reduz as pessoas em classes e ataca àqueles que não são iguais a nós. Foi através desse estilo divisionista que as regras de nossa sociedade se estruturaram, tendo, como conseqüência, a intolerância, a perseguição e a violência. Os centros do ventre trazem a visão do que serve à subsistência egocêntrica, necessária, mas não absoluta, pois também dependemos do respeito mútuo e da cooperação entre as pessoas, para sobrevivermos em sociedade. Esta é a verdadeira transmutação, pela ação conjunta das forças do ventre com as do coração. Entrar em contato com as forças do ventre nos ajuda no autoconhecimento profundo, na nossa subsistência, no equilíbrio entre corpo e mente. É o ponto de partida para podermos viver harmonicamente em sociedade, onde são necessários o respeito e a cooperação – só podemos respeitar e cooperar, quando respeitamos e cooperamos com nós mesmos e, agora, num patamar mais elevado.

A tarefa imediata é escapar aos paradigmas que obstaculizam a mente de muitas pessoas e as impedem de compreender, por exemplo, a importância dos sonhos ou dos mitos (sonhos de povos inteiros). Para isto, é preciso ir além dos limites do ego, avançando nos espaços internos e ligando o ventre ao coração e à cabeça, para alcançar a sabedoria para nós mesmos e para a vida em sociedade. A nova ordem em gestação pede ação coordenada comum juntamente com os meios de comunicação tão desenvolvidos, para instrumentalizar a necessidade humana de troca profunda e autêntica.

A mulher está saindo do útero social, contestando valores e padrões de comportamento patriarcais em vários campos de atuação, consolidados por tanto tempo. Tempo demais. Isso requer esforço psicológico, visto que estes condicionamentos trouxeram-lhe excessos mentais e suprimiram a força do ventre, desequilibrando o natural circuito energético. Assim, para elaborações mais adequadas aos novos hábitos de comportamento, é preciso suportar a tensão atual entre os dinamismos opostos no corpo e na psique.

Desta forma e a partir da tensão entre os opostos, chegaremos ao padrão do movimento energético em espiral, que é uma ascensão dinâmica provocando ligações entre conteúdos diferentes e pólos opostos do corpo e da psique humana. O processo de consciência atualmente em curso exige grandes esforços por parte do homem e da mulher contemporâneos. Masculino e feminino dependem um do outro em todos os estágios do desenvolvimento humano.

A redescoberta de uma dança que tem a capacidade de reorganizar as funções do ventre tem significado elevado e ajuda no processo de conscientização das pessoas. Através do contato com as energias do próprio ventre, estas pessoas podem elevá-las e transmutá-las em movimentos espirais. É uma dança que não pode ser vista simplesmente como exercício ou momento de lazer, já que seu significado é muito mais profundo que isso. Ela faz parte de uma religião muito antiga, ligada ao culto da terra e do útero da Deusa.

É importante trazer à consciência os aspectos do princípio yin (feminino), marginalizados e inacessíveis ao acesso psicológico das pessoas. Os procedimentos da dança do ventre são sérios e merecem o respeito das coisas sagradas. Assim, o conhecimento e a luz do ventre aparecerão para serem unidos à sabedoria luminosa do coração e da mente no ser humano.


E as mulheres voltarão do encontro com o lado benéfico da serpente mais belas, mais alegres e mais sábias.



Um comentário:

  1. Amei a matéria. Estava em busca de algo que pudesse preencher dentro de mim, o que realmente li e acredito. Sou praticante de artes marciais, sou Psicóloga Clínica, e acredito que essa prática vai me ajudar muito. Parabéns pelo blog. Abraços, Mônica Lopes

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