Durante meu atual estudo sobre as Danças Circulares
Sagradas, deparei-me com um texto muito interessante, escrito pela pedagoga Céline
Lorthiois, onde ela fala sobre o que considera uma Pedagogia Profunda. Uma Pedagogia reformulada, dificilmente
encontrada nas escolas e onde possa caber a criança dos dias atuais, tal qual
ela é, respeitada em sua essência, sem ser ludibriada ou “mutilada”.
Durante seu relato, ela passeia mais profundamente por
este assunto tão sério, ainda deixado à margem do que realmente é importante
com relação à educação. Assim, ela conclui que é necessário parar de pautar a
criança pela visão do adulto do que seja ”normal” e que o educador, até provar
o contrário, tem o estatuto de um “encantador”: ele não precisa dominar para
educar. Como “encantador”, suas palavras e atitudes soarão como música na alma
destas crianças, facilmente perceptível por elas e será capaz de elevá-las, através
de uma “dança” que levanta, desperta, que faz renascer.
Assim, seja pela palavra ou pelo movimento corporal,
seria interessante destacar um dos comentários de Anne Barton, uma das
principais divulgadoras das Danças Circulares Sagradas pelo mundo,
especificamente sobre a dança, onde ela diz que esta é um instrumento para a
paz e a tolerância e que promove a compreensão mútua, pois, através da
movimentação do corpo, é possível penetrar na sensação, na visão de mundo do
outro e até na sua forma peculiar de sentir a terra debaixo de seus pés.
Desta forma, chega-se à curiosidade sobre um filme de
anos atrás, chamado “Son rise”, para fazer um paralelo com a questão da
tolerância. Este filme foi baseado em fatos verídicos e conta a história de um
menino autista, declarado incurável pelas autoridades médicas. Seus pais haviam
esgotado todas as possibilidades de uma tão desejada cura e, no desespero de
ver seu filho sequer olhar para ela, balançar-se ininterruptamente, girar
pratos, surge-lhe o mais humilde dos recursos: sua mãe começa a balançar-se
como e junto com ele. A princípio, nada acontece, mas ela continua e aumenta o
repertório de repetições: passa a fazer todos os movimentos de forma igual e
juntamente com seu filho. Até que um dia, por iniciativa própria, ele
finalmente olha para ela. A partir do momento em que esse elo se formou, esse
primeiro contato visual, essa primeira comunicação, o trabalho terapêutico pôde
prosseguir e este menino, por fim, abandona o autismo.
Assim como neste filme ou para qualquer criança, com ou
sem autismo, é necessário compreendê-la verdadeiramente, ou seja, entrar na “dança”
do outro para que esta compreensão possa acontecer, na tentativa do
estabelecimento de um vínculo, da comunicação entre ambos os lados.
“Penetrar no desconhecido, na realidade deste outro ser
que nos ignora, ousando imitar seus gestos incompreensíveis... Este,
certamente, é o caminho sábio da não-violência, quer se trate do autismo, da
incompreensão entre os povos ou de quaisquer outras relações humanas.”
As crianças autistas têm uma intuição pura do mundo,
mas nenhuma proteção. Elas sentem-se como parte do todo e fundem-se a ele. Estão
no mundo das estrelas... . Não diferenciam pai e mãe, nem dia e noite. Tudo é
uma mesma coisa. Então, para conseguirem expressar alguma coisa neste mundo
sentido de forma tão única, elas utilizam o corpo, pois apenas ele pode dizer
aquilo que não se consegue falar. E, assim, elas continuam em seus
movimentos, repetidos incansavelmente,
até que o adulto as compreenda.
Este apelo pode ser transferido para todos os planos
das relações humanas e é a lição de amor destas crianças que, ao estarem diante
das dificuldades de compreensão do adulto, incansável e pacientemente, repetem
seus gestos.
A única forma de alcançar esta compreensão é colocar-se
inteiramente no lugar destas crianças e entrar em contato com elas somente
através do corpo, pelo gesto e através da alma.
Assim, estas crianças e todas as outras nos mostram o
caminho do verdadeiro contato entre seres humanos, para que não seja tão frio,
tão esgotado em recursos tecnológicos, presentes na sociedade na qual vivemos.
Nos ensinam a lição de uma “dança” tão simples de aprender, cuja principal
missão é a aproximação verdadeira com os outros em nossas vidas.